25.3.09

from kosovo with love


São nove horas de uma manhã igual a tantas outras, e a minha corrida termina dentro da água, ainda gelada, da praia de Carcavelos. Agora corro sempre sozinho e mergulho sozinho...
Desde que o Manel partiu, as corridas já não têm piada, nem as corridas nem os mergulhos na água gelada.

"-O ultimo a entrar é um ovo podre!" Gritava ele enquanto fugia pela areia fora, ao mesmo tempo que se despia. E estas palavras motivavam-me a correr rapidamente, mergulhando sem hesitar nas gélidas águas de Inverno... Nenhum dos dois queria ser o "ovo podre", era demasiado irritante ter de passar o resto do dia a ouvir o outro tratar-nos por esse nome. Ganhava sempre eu! O Manel sempre foi o mais corajoso, mas eu o mais rápido...

Desde que decidiste partir para uma guerra que não era tua, para um país que nem sabias ao certo onde ficava, e defender pessoas que nem sequer conhecias, que as corridas na praia deixaram de fazer sentido.

Certa noite acordaste-me e disseste-me ao ouvido, para que o pai não ouvisse, que não conseguias ficar parado sabendo que milhares de pessoas morriam vitimas de uma guerra que não pediram. Sempre que falavas nisso, eu encolhia os ombros e dizia que nada podíamos fazer pela paz no Mundo, tu provaste-me o contrário! E hoje arriscas a tua própria vida para proteger Homens, Mulheres e Crianças que nem sabes sequer pronunciar o nome correctamente.

São nove horas de uma noite igual a tantas outras...
-O ultimo a entrar é um ovo podre!
-Estás doido!? acabas-te de regressar, estão todos à tua espera!
respondi. Mas camisola e calças já voavam pelo ar, e a escuridão da noite não permitia ver senão um rasto de pegadas na areia que só terminou no mar.

... Bem-vindo!

20.3.09

Más companhias.


"-Queres uma pastilha?" Foram as minhas ultimas palavras antes de enfiar a roda na valeta.

Pensando em como algumas amizades se mantêm e outras não, lembro-me do facto de já ter furado três pneus desde que conduzo, e de nessas três ocasiões o Hélder estar dentro do meu carro...

Eu e o Hélder somos amigos desde a escola primaria, e embora sempre tenha havido um ou outro conflito na nossa amizade, ela tem resistido até aos dias de hoje... Ou pelo menos até ao dia de ontem!..

Ontem à noite, regressávamos os dois do Vasco da gama quando, uma manobra perigosa do carro que seguia à minha frente obriga-me a enfiar a roda dentro da valeta, resultando no terceiro furo da minha vida!
Fechei os olhos, desliguei o motor e inspirei bem fundo antes de sair do meu carro, e só então caminhei calmamente em direcção ao outro... E avisto uma bela rapariga de vestidinho curto e saltos altos a tentar sair desse carro com a mesma dificuldade que tem quem já bebeu mais do que a conta.

Claro que um simples telefonema para a policia resolveria o meu problema, mas não! O menino Hélder, motivado por segundas intenções, como é seu habito, decide resolver as coisas de outra maneira e convence-me a não ligar às autoridades. Primeiro pede calma à rapariga, que o olha com ar desconfiado, depois diz-lhe que tudo se vai resolver amigavelmente e que no dia seguinte a irá contactar para tratar de toda a papelada do seguro, mas que para isso acontecer precisaria ter o seu numero de telemóvel. Ela concordou acenando com a cabeça e, sorrindo com nervosismo lá escreveu alguns números meio tortos num lenço de papel sujo de maquilhagem. E alegremente seguiu viagem.

O Hélder esfregava as mãos de contente, pois já tinha o numero da rapariga e o segundo encontro com ela estava mais do que certo.
Olhou para mim, mordendo o lábio como quem diz: "-viste como se engata uma gaija?" enquanto eu abria e fechava a boca, como um peixinho fora de agua, ao mesmo tempo que mudava o pneu furado.

Hoje à tarde, como ele não dizia nada, e eu queria era o dinheirinho para comprar o pneu novo, decidi ir ter a casa dele, para saber o ponto da situação...
-Então, ligaste-lhe? -perguntei eu entusiasmado.
-Vá lá! fala homem, o que disse a rapariga?
-Oh... Calma! Liguei.... Liguei e só ouvi uma rapariga com uma voz suave dizer..."TMN, o numero que marcou não se encontra atribuído"
-Grrrrrrrr!!!

Bom, seria estúpido acreditar na existência de uma ligação directa entre conduzir com o Hélder dentro do meu carro e ter um furo.

O simples facto de continuar a ser seu amigo já me parece estúpido o suficiente!

9.3.09

On the road to Barcelona




Tomava um duche rápido quando a campainha tocou. Estava cheio de pressa! E a escorrer em água fui abrir a porta. "-Lena!? Olha maninha estou super atrasado para a minha aula, e tu não deves ter vindo cá para me dar nada portanto, pira-te!" E é quando vejo os diabinhos aos pulos a correr em minha direcção "-Desde quando voltaste a estudar? Vá Zé tenho de ir ao Norte, fica lá com eles e cala-te!" Deixando-me confuso e sem hipótese de dizer NÃO!

A minha mana deixou-me a agradável tarefa de tomar conta do Leandro e do Tomás e logo hoje que tinha a minha segunda aula de guitarra.
Eles adoram ficar com o tio, mas são muito exigentes. Como ainda era cedo para o almoço disse-lhes que íamos jogar playstation, eles fizeram uma cara de enjoo e pediram antes alguns livros para ler. Enquanto liam, aproveitei e fui organizando o caos em que a casa se tornou nos últimos dias. Algumas horas depois e já cheio de fome anunciei orgulhosamente que iríamos almoçar ao McDonalds esperando ver algum brilho nos seus olhos, em vez disso eles dizem: "-Não nos fazes antes tu o comer tiozinho?" Mesmo a calhar, a Susana ensinou-me ontem a fazer empadão hi hi! Mas...será que já não se fazem sobrinhos como antigamente?

Não fumo, nem nunca fumei!...
Ou melhor, comecei a fumar no inicio do ano, pelo menos a fingir. Como tal, todos os dias ponho três euros e cinquenta cêntimos num porquinho mealheiro cor de rosa.
Eu, o João, o Marco e o Pedro temos um objectivo... Ir a Barcelona em Agosto! Pelas nossas contas nessa altura cada um terá no seu porquinho cerca de oitocentos euros...
A minha avó divorciou-se há cinquenta anos, era a minha mãe pequenina, e nunca mais tivemos contacto com a família da parte do meu avô Espanhol. Apenas os conhecemos das histórias que a minha mamã orgulhosamente nos contava.
Em Agosto vamos alugar uma caravana e partir à aventura, mas não é só o sol quente, e as belas praias que nos levam a Barcelona, a partir de uma morada de uma antiga carta enviada pelo meu avô em 1995, os quatro vamos tentar encontrar a família perdida...e descobrir uma outra parte de nós.








2.3.09

A gaiola amarela

Um homem com cara de Woody Allen olha com um ar triste para mim, recordando-se talvez do tempo em que também era jovem e nenhum problema o incomodava, uma bela enfermeira passa e sorri para ele, e acho que isso lhe levantou o Ego pois com um só gesto ajeitou a gola do casaco, endireitou a postura, retribuiu o sorriso e pôs os olhos num velho jornal, libertando-me do seu incomodativo olhar.

Esta sala é diferente!
Diferente de todas as outras salas de espera em que eu já estive, aqui as flores são verdadeiras e não há relógio na parede nem televisão a berrar, em vez disso uma suave melodia percorre todo o espaço. Três pássaros numa gaiola amarela ao canto da sala são os responsáveis, tanto pela melodia como pela calma que estranhamente se sente no ar. Aquela gaiola amarela torna esta sala ainda mais única, e enquanto todos fixam atentamente os olhos nela, uma menina alimenta os pássaros com bocadinhos de bolacha perante o olhar sorridente da sua mãe, a menina com um vestidinho da Hello Kitty e olhos gigantes não tem cabelo...não tem ela, nem o Sr com cara de Woody Allen, nem nenhuma das outras pessoas que pacientemente aguardam a sua vez.

Olhei para o lado, o meu pai parecia também hipnotizado a olhar para a gaiola, como se a vida daqueles três pássaros azuis fosse mais interessante que qualquer outra coisa.
Estou na sala a aguardar a primeira consulta de oncologia do meu pai, e só eu parecia não querer saber, nem dos pássaros nem da gaiola, tentava antes imaginar como será o meu pai sem o seu lindo cabelo encaracolado...