22.1.12

Os melhores anos




No inicio de Janeiro o António regressou da Bélgica. O António foi para lá viver com os pais mal acabou o 9º ano e nunca mais ninguém o viu. Foi talvez o meu grande amigo de infãncia apesar de uma vez o ter feito chorar, o problema é que eu era péssimo na disciplina de trabalhos manuais por isso roubei-lhe o trabalho e meti o meu nome, nunca fui apanhado. Nesse tempo eu tinha a manía de comer a borracha e ele o carvão dos lápis, a certa altura a professora descobriu e meteu-me ao lado do Fábio que era o mais burro da turma e deu-me autorização para lhe dar estalos sempre que ele falasse. Mas havia mais burros na turma, o Bruno que depois se mudou para outra turma, uma vez disse que a capital de Portugal era Fátima. 

No 5º ano entrou para a turma um rapazinho Africano chamado Alex, nos ensaios para uma peça de teatro da disciplina de Educação Moral nenhuma rapariga quis dar a mão ao Alex apesar dessas raparigas terem escolhido para tema da peça precisamente o racismo, por isso a professora meteu o Alex a dar a mão a mim.

No 9º ano fomos para a Assembleia da República assistir a uma sessão do Parlamento. Comprei um jornal Record e no autocarro  liguei para as mulheres nuas de valor acrescentado que mais tarde vim a saber que afinal eram máquinas. Liguei com o António que no primeiro ano me roubou a namorada, o sacana aproveitou-se do meu telemóvel para ouvir uma mulher a perguntar qual era a sua cor preferida. Respondemos VERDE! porque somos do Sporting, e quando com uma voz sensual perguntou a nossa posição favorita eu disse avançado e ele defesa.

Uma vez no dia da criança fomos plantar uma árvore no bosque junto ao lago que fica atrás da escola primária. A partir daí, todos os dias fizesse chuva ou sol eu e o António passávamos pelo lago antes de ir para casa para ver o tamanho da árvore, queríamos vê-la crescer e imaginávamos que ela um dia chegaria ao céu, prometemos proteger aquele lago e aquela árvore com unhas e dentes e até construímos espadas de pau caso fosse preciso combater. Passámos muitas tardes no lago, o nosso passatempo favorito era ir para a margem atirar pedras aos sapos. De calções e pensinhos nos joelhos escolhíamos as pedras mais achatadas e atirávamos com toda a força que tínhamos e as pedras voavam sobre a água como aviões na pista a levantar voo. 

Este domingo, ao fim de tantos anos, reencontrei finalmente o António e numa conversa na esplanada entre muitas histórias e recordações felizes ele aponta para a testa e pergunta-me: 
-lembraste desta cicatriz? 
-lembro, lembro. respondo-lhe, -foi um avião dos meus que saiu de pista ao levantar voo!.
E soltamos os dois uma enorme gargalhada.
Estava uma tarde de Janeiro com um sol maravilhoso e o António desafia-me a ir a pé até lago que durante tanto tempo tão bem protegemos com espadas de pau. Eu aceitei de imediato! Pelo caminho recordávamos a árvore que plantámos nos dia da criança e o lago cheio de sapos verdes e viscosos, questionávamos o tamanho que teria hoje a árvore, imaginávamos um domingo cheio de sol com crianças de calções e pensinhos nos joelhos a atirar pedras aos sapos, velhotes a pescar no lago e familias inteiras a fazer pique-niques a sombra da "nossa" árvore.
Quanto mais nos aproximávamos mais ansiosos ficávamos.

Mas passaram-se muitos anos...
E onde esperávamos encontrar um lindo bosque está hoje um luxuoso condomínio fechado, onde em tempos foi um lago cheio de peixes é hoje uma enorme piscina e no lugar da nossa árvore esta uma pequena palmeira a crescer...